19.8.12
Depoimentos Sobre Salazar e o Salazarismo ( Acrescentado )
Resumo de Polémicas Recentes em que Participei :
Como preâmbulo ao trabalho que se segue direi que, para mim, Salazar é história, passado, que procurei entender no contexto do mundo em que ele viveu.
Julgo, todavia, tê-lo compreendido em vários aspectos: na sua inevitabilidade, em face do desvario do republicanismo, que não instituiu democracia nenhuma no País, mas tão-somente um sistema em que imperavam mandaretes de partido, abancados nos cafés do Rossio ou estacionados entre estes e S. Bento, como já o Eça caricaturava, no último quartel do século XIX, e os seus delegados de província, os caciques.
Entre si, entretinham-se a distribuir lugares de mando, a fazer e a desfazer Governos, arruinando economicamente o País, enquanto reprimiam brutalmente as greves operárias em Lisboa.
Depois de terem reduzido a capital do País a uma marabunta revolucionária, em que campeavam grupos de assassinos, que, na noite sangrenta, liquidaram muitas figuras gradas dos principais partidos republicanos, entre eles, o próprio Machado dos Santos, celebrado herói da rotunda, conseguiram induzir no Povo uma indiferença ou alheamento ocioso pelo destino político da nação.
Neste caldo económico-político-social, bastou aos militares prometer um pouco de ordem, para qualquer golpe se tornar geralmente aceitável e depois realizável, como veio a acontecer, em 28 de Maio de 1926.
Passado pouco tempo, Salazar foi convocado para, na pasta das Finanças, exercer o Poder, não tendo inicialmente precisado de lutar por ele, dado que este lhe foi oferecido pelos militares.
Quando se tornou Presidente do Conselho de Ministros, igualmente a pedido daqueles, em 1932, empenhou-se em criar um Estado forte que garantisse, em primeiro lugar um ambiente de ordem e disciplina no País, sem o que nada se conseguiria erguer.
Toda a década de 30 é de grande dinâmica construtiva, melhorando imenso as infra-estruturas básicas do País, quase completamente desprovido nesta matéria e também dispondo de escasso número de estabelecimentos de Ensino, apesar da intensa retórica dos activistas republicanos em prol da Educação, do Ensino, da Instrução, sector em que, na realidade, pouco edificaram.
Nesta década, dominavam os extremismos políticos na Europa, fascismos e comunismo e, mesmo em França, eram comuns ideias políticas semelhantes às de Salazar, que muito se inspirou em Charles Maurras, mais do que em Mussolini ou em Hitler.
Dos Ditadores europeus do seu tempo, Salazar, além de mais sábio, mais ponderado, foi de longe o mais benigno deles, por convicção e por temperamento, como homem oriundo do interior rural, muito afeiçoado à Igreja, a quem desgostava o estilo violento, espalhafatoso e, por vezes até histriónico, de Mussolini, que, na sua mocidade, relembre-se, começou por ser socialista.
Salazar governou sempre em Ditadura com a ajuda da Polícia Política, que, no entanto, na sua acção repressiva, nunca poderá ser comparada com a de Estaline, nem com a Gestapo de Hitler ou com a de Mussolini, nem nos métodos, nem, muito menos, no número de vítimas.
No fim da Guerra de 1939-1945, Salazar deveria ter-se retirado e permitido a outro político que promovesse a transição progressiva do Regime para a Democracia. Não o fez e fez mal, ficando a partir daí viciado no exercício do Poder, imaginando-se o caucionador insubstituível do Regime.
Quando se dá a explosão do terrorismo nacionalista africano, no Norte de Angola, em 1961, Salazar acabou por reagir bem, com determinação, mas deveria, logo em seguida, ter previsto e preparado uma futura negociação política, consentindo na abertura de representações políticas dos nacionalistas africanos, levando-os a partilhar o poder com os colonos residentes nos territórios, que formariam também os seus próprios partidos, na perspectiva de uma programada descolonização, de acordo com os preceitos estipulados na carta da ONU, para a descolonização.
Salazar não teve flexibilidade política para tais iniciativas. Manteve-se demasiado rígido nas suas posições, deixando apodrecer a situação, arrastando a Guerra para lá do tolerável.
Desperdiçou as oportunidades que o Presidente americano John Kennedy lhe ofereceu para se encontrar uma solução o mais consensual possível para o conflito ultramarino.
Quando Marcello Caetano chegou ao Poder, já tudo se encontrava demasiado deteriorado e as hipóteses de êxito, na construção de eventual solução política aceitável para ambos os lados eram escassas. Daí ao golpe militar o caminho foi rápido, tendo o golpe saído facilmente vitorioso.
Salazar foi um Governante sério, competente, honesto, na Administração do País, dotado de algumas virtudes que ainda não encontraram paralelo em políticos revelados pela democracia abrilina.
Quando morreu, tinha perto de 240 contos depositados na Caixa Geral de Depósitos, banco do Estado. Convenhamos que, para quem foi durante 36 anos consecutivos Chefe do Governo, é clara prova de frugalidade.
Em S. Bento, pormenor interessante, tinha dois Contadores de Energia Eléctrica, um deles exclusivamente destinado aos seus consumos privados, domésticos. Atente-se no escrúpulo e compare-se com o regabofe actual.
Lutou denodadamente contra o seu arqui-inimigo, o Comunismo messiânico instigado por Moscovo, por Estaline, que o excedeu em manha e, sobretudo, em brutalidade repressiva.
O salazarismo, porém, comparado com os regimes comunistas do Leste da Europa era um regime bem mais benigno, que concedia algumas liberdades formais e algumas garantias típicas de um Estado de Direito.
Os comunistas, que criaram a Lenda Negra do Salazarismo, classificavam os regimes do Leste da Europa como «democracias populares», para as distinguir das do ocidente europeu, apodadas de «democracias burguesas».
Contudo, nos seus regimes, não vigoravam liberdades nenhumas, nem as mais básicas, como a de viajar de uma cidade para outra, mudar de emprego, fixar residência noutra região, muito menos a de viajar para fora do País, etc., etc. E a isto chamavam eles «democracias populares».
Qualquer cidadão consciente, compreensivelmente, preferiria viver sob o regime de Salazar, a viver num qualquer paraíso estalinista ou maoísta, castrista, chavista, etc. Daí que eu relativize sempre o regime de Salazar, não o recomendando hoje, naturalmente, ao mesmo tempo que me recuso a diabolizá-lo.
De resto, vejo bem que, no presente, seria impossível fundar qualquer coisa politicamente parecida com o salazarismo, tão distantes nos encontramos dos quadros económico, político, cultural, social e ético do tempo em que aquele sistema prevaleceu em Portugal.
No entanto, persisto em avaliar Salazar no seu contexto histórico e relevar, até para estabelecer contraste com os políticos actuais, as suas qualidades de homem de Estado, defensor do interesse nacional, do interesse colectivo, inequivocamente acima do individual, como sempre preconizou, praticou e fez praticar. De resto, muitos dos dirigentes políticos das democracias europeias do seu tempo lhe reconheceram estas mesmas e outras qualidades.
Por que razão, então, as esquerdas persistem em diabolizar Salazar e o seu Regime Político, sem sequer atenderem ao contexto mundial em que aqueles historicamente surgiram ?
Dir-se-á que têm má consciência e temem certas comparações. Lembro que até o revolucionário e desconcertante Otelo declarou recentemente reconhecer em Salazar virtudes governativas hoje lamentavelmente ausentes nos actuais dirigentes políticos.
Inexoravelmente, o tempo vai depurando conceitos, critérios e apreciações, permitindo-nos elaborar juízos provavelmente ainda não definitivos, mas certamente mais equilibrados, mais completos dos que anteriormente conhecíamos, assim derrotando preconceitos antigos e fanatismos diversos.
Rejeito o sistema dos «dois pesos e duas medidas» e afirmo que gostaria de ver triunfar em Portugal um Sistema Político baseado no paradigma da competência, no reconhecimento e na recompensa do mérito, no respeito dos direitos individuais e colectivos típicos de um Estado de Bem-Estar Social, tal como o conhecemos na Europa Ocidental do pós-guerra.
Foi comprovadamente à sua sombra que floresceram as sociedades mais avançadas e harmoniosas da era contemporânea, antes do advento da Globalização e da difusão pelo mundo do ultra-liberalismo económico, desequilibrado e terrivelmente depredador de valores, tudo reduzindo a objectivos materiais, dinheiro, sobretudo, e a ele tudo o mais subjugando, sem obediência a referências éticas ou legais.
Tudo isto, porém, aconteceu dentro do único Sistema Económico que provou ter forte capacidade produtiva e de inovação, só necessitando de um adequado enquadramento ético-legal e de uma permanente supervisão, condições que, obrigatoriamente, devem ser garantidas pela função arbitral do Estado, a única entidade que representa politicamente todos os cidadãos.
Era mais ou menos isto a Social-Democracia que vigorava em vários países da Europa central e setentrional, que tão bons resultados proporcionou, designadamente no campo da coesão social, durante as 3 a 4 décadas posteriores à Guerra de 1939-45.
Para nossa saudável sobrevivência, como sociedade desejavelmente harmoniosa, tolerante e interdependente, seria importante que disto nos viéssemos a reaproximar ou inevitáveis tumultos e conflitos sociais teremos ainda de enfrentar.
Entretanto, convém igualmente não escamotear que, em Portugal, devemos a situação degradada em que nos achamos à acção dos partidos ditos democráticos, com particular destaque para os do Bloco Central ( PS e PSD ), que têm exercido o Poder, em regime de rotatividade, nos últimos 30 anos, com a colaboração episódica, maior ou menor, dos restantes partidos do chamado arco constitucional.
Cabe ressaltar que têm sido os designados democratas do actual regime que o têm efectivamente afundado e não os velhos ou os novos salazaristas, reais ou imaginários. Reconheça-se, ao menos, isto.
Desejo, todavia, tranquilizar certo tipo de leitores, politicamente mais sensíveis, que o meu interesse por Salazar e pelo Salazarismo é meramente histórico, não militando eu, nem tencionando fazê-lo, por nenhum tipo de reanimação política com essa inspiração.
A História, para mim, é uma disciplina não científica do conhecimento humano, como as demais disciplinas sociais, mas que indubitavelmente nos presta ajuda preciosa na percepção dos fenómenos políticos e sociais, que se sucedem ao longo do tempo, facultando-nos aquela perspectiva de pensamento que nos permite relacionar, compreender e relativizar acontecimentos, além de nos prevenir também para certos erros e confusões, não nos levando a tomar por novo ou inédito aquilo que já foi alvo de conhecimento e de utilização das gerações que nos antecederam.
Escusamos, assim, de tanto nos rejubilar com o uso que fazemos de certos instrumentos ou ferramentas, como a alavanca ou a roda, nos nossos trabalhos diários ou de fim-de-semana.
Acrescento que os depoimentos políticos despretensiosos que aqui deixo exarados não representam outra coisa senão a interpretação ou a sua tentativa de acontecimentos históricos pessoalmente vividos ou com o seu conhecimento adquirido de outros que os tenham eles mesmos vivido e mos hajam de alguma maneira transmitido.
Aflige-me assistir continuamente a tanto ódio selectivo, pré-determinado, fora daquilo que deve ser a reflexão serena, pensamento analítico e frontalmente enjeito receber lições de democracia de quem passou décadas a defender regimes políticos de enorme ferocidade repressiva, chamados «democracias populares», sem democracia nenhuma e que dispensavam por completo o apoio popular, bem patente, aliás, para escândalo dos seus prosélitos nas «democracias burguesas», nos episódios dramáticos ocorridos no final da década de 80 do século passado, com multidões concentradas nas fronteiras desses fantasiados «paraísos democráticos», sôfregas, à espera da sua normal abertura, para que pudessem sair e finalmente conhecer, o Ocidente pervertido, na designação típica da nomenclatura do Leste.
Para surpresa geral, incluindo a dos mui cotados sovietólogos americanos e britânicos, que peroravam nas Universidades e nas Academias Militares dos seus países, estes factos aconteceram quando o improvável Gorbachev, recém-chegado ao topo da hierarquia soviética, afrouxou progressivamente o policiamento do regime, de motu proprio e não a mando da CIA ou do Imperialismo, convencido que estava do indisfarçável atraso e da terrível ineficiência do sistema económico socialista que, não obstante, algo ingenuamente, ainda imaginava poder salvar do colapso iminente.
Entre nós, muito pouco disto foi percebido por quem mais encarniçadamente combateu e cobriu de labéus o salazarismo, justamente os comunistas e seus companheiros de estrada ou de viagem, compagnons de route, os quais, aparentemente, continuavam seguros de que eram portadores da solução política maravilhosa, salvífica, da Humanidade, ainda que a dita, nos seus cerca de 70 anos de vida, quase só tivesse espalhado miséria económica, de modo mais ou menos equitativo, admita-se, se esquecermos o regime de excepção concedido aos quadros do Partido, que gozavam de privilégios de consumo de produtos ocidentais, em geral, ciosamente disputados.
Juntamente com a generalizada repressão política, o regime soviético produzia também, aqui com surpreendente eficiência, tecnologia pesada, armamento diverso, canhões, carros de combate, mísseis de variado calibre e alcance, tendo alcançado também alguns êxitos relevantes na indústria astronáutica.
Convenhamos que é pouco, muito pouco, para tamanha propaganda doutrinária e a sua extraordinária ilusão difundidas décadas a fio, no interior desses regimes, com a indispensável coadjuvação das polícias e, no estrangeiro, com a eficiente cooperação dos putativos partidos irmãos em ideologia.
Foram as pessoas subordinadas a esta estratégia política, entre nós, as que mais carregaram nas tintas do «salazarismo tenebroso», da sua longa, interminável, noite, criando a versão da espantosamente perdurável Lenda Negra do «fascismo lusitano».
Nascido no início da década de 50, ainda vivi alguns anos do salazarismo, o qual, em 1968, quando Salazar «caiu da cadeira», conforme correu outra lenda, apesar de Fernando Dacosta, repetidas vezes, haver contestado e emendado a versão do episódio, não teria já a força repressiva da sua década áurea, a dos anos 30.
Tinha eu então os meus 16 anos, já havia completado a Primária, com bons resultados na Aritmética, na Leitura, na Escrita, na História, na Geografia e nas Ciências, o principal saber do tempo, apesar da singeleza dos métodos e dos meios didácticos utilizados, não tendo, contudo, ficado condicionado ou impossibilitado de raciocinar, prosseguindo estudos e mantendo perfeita sanidade mental, tanta que, na Universidade, até me transformei em opositor do Regime. De resto, os principais dirigentes oposicionistas ao Salazarismo foram, quase todos eles, formados nas Escolas e Universidades criadas pelo Regime.
Álvaro Cunhal, quando estava sob prisão, conseguiu fazer o seu último exame de Licenciatura, por interposto pedido da mãe dirigido a Marcelo Caetano, então eminente Professor da Faculdade de Direito da UL, dele recebendo a autorização extraordinária, para o efeito.
Marcelo Caetano examinou Cunhal, apreciando a sua ousada tese sobre o aborto, tema deveras desagradável para o Regime, tendo-o distinguido, ainda assim, com um relevante 16 ou 17, nota considerada na época como bastante invulgar, facto que, para um Regime pintado com tão negras tintas, não pode ser considerado despiciendo.
Creio que não imaginaremos idêntica abertura oferecida nos paraísos comunistas aos seus dissidentes ou contestatários, por regra, colocados em campos de reeducação, vulgo, concentração, ou em hospitais psiquiátricos, com o fito de assim lhes promoverem a cura da inconcebível loucura dissidente.
É sobretudo estas contradições de ordem judicativa que eu desejo sublinhar. Por formação, abomino mentiras, históricas ou outras, e repudio, como disse, o critério dos «dois pesos e duas medidas».
Se condenamos factos, acções ou atitudes o nosso juízo não pode variar consoante o nome ou a filiação política dos seus autores ou a nossa palavra de nada valerá, tornando-se tão-somente um instrumento ao serviço de um grupo, de uma ideia ou de um ideal, por hipótese, salvífico e, nesse caso, a verdade dos factos transformar-se-á numa espécie de recurso inteiramente instrumental.
Muita gente das esquerdas, mais do que das direitas, cai facilmente no sectarismo, por se achar tomada de fanatismo doutrinário, por acreditar que está na posse de uma certeza política indestrutível, como acontecia com os velhos comunistas, ciosos da pretensa cientificidade do marxismo, a tal «doutrina inultrapassável do nosso tempo» como a apelidou, numa ocasião, Jean-Paul Sarte.
Este homem, espírito filosófico brilhante, mas, em matéria política, completamente equivocado, deu cobertura permanente aos diversos tipos de comunismo que foram surgindo em cena, desde o estalinismo, ao Maoísmo, ao Castrismo-Guevarismo, etc., numa atitude de manifesta cegueira ideológica, absolutamente de estarrecer, dado que provinda de uma mente privilegiada como a sua.
A partir dos anfiteatros da Sorbonne e das esplanadas dos Boulevards parisienses, Sartre cativou, com as suas orações de sapiência, gerações sucessivas de estudantes e aprendizes de intelectuais por esse mundo fora, com especial intensidade, aqui mesmo, em Portugal, onde sempre contou com numerosos adeptos entre os chamados intelectuais progressistas, grupo de incluia gente tão diversa como comunistas, socialistas, velhos republicanos, monárquicos, democratas sem partido e até militantes do catolicismo marxizante.
Destas múltiplas confrontações políticas, verificamos que, quem fica refém de uma ideologia, experimenta sempre enorme dificuldade em julgar com acerto tudo aquilo que, por definição, se situa fora do seu domínio.
Espanta-me que uma ideologia, como a que suportou décadas a fio o comunismo soviético, sobreviva aos seus efeitos devastadores, a tal ponto que, grande parte da terminologia política ainda hoje usada em Portugal provém da que foi cunhada pelos militantes comunistas, nos tempos áureos das alianças e das frentes «anti-fascistas».
Até as direitas a utilizam, o que prova bem a sua eficácia política. Atente-se ainda que o caldo cultural do anti-salazarismo, maxime, anti-fascismo, é o habitat privilegiado para a sobrevivência da ideologia comunista, de impressionante vitalidade, apesar de tudo, com numerosa representação parlamentar, com forte presença na comunicação social, etc.
Nada semelhante a isto sucede relativamente ao apregoado perigo do «fascismo», fenómeno político típico dos anos 30 do século passado. Analogamente, pode considerar-se residual, em Portugal, o fenómeno do «neo-fascismo», sem presença política operante que se descortine.
Das considerações tecidas, resulta que, mais do que as ideologias, devem ser os valores a nortear o nosso pensamento. Daí que, em muitas circunstâncias da nossa vida social, eu atribua mais importância ao carácter do que ao intelecto. A falta deste pode, quase sempre, vir a ser superada, complementada, com relativa facilidade; a daquele, rara e dificilmente se consegue compensar.
Quantas vezes não fomos nós já enganados, decepcionados ou traídos por pessoas de quem nos julgávamos ideologicamente próximos ?
Nada no mundo é definitivo e, no das Ideias, da História, da Política, ainda menos, como bem sabemos, mas escusamos de repetir erros historicamente confirmados.
Como comunidade, no momento que atravessamos, o horizonte político que está à nossa frente deve assumir a prioridade das nossas preocupações.
Entretanto, se há quem deseje rever e reapreciar o papel de Salazar na História, nada de anómalo ou perigoso aí encontro, tanto mais que, sobre esse período da nossa História, estranhamente, impera espesso desconhecimento, sobretudo, entre as gerações mais novas, educadas na ilusão de um «fantástico presente», na perspectiva de um «mirífico futuro», visão ultimamente abalada, com o peso da crise.
Lembremo-nos do que sucedeu com Sebastião José Carvalho e Melo, o nosso distinto Marquês de Pombal, moderno e progressivo nalgumas matérias, nomeadamente na Reforma do Ensino Universitário em Coimbra e no fomento da agricultura e de alguma actividade industrial, então incipiente no País, mas despótico, tirânico, bárbaro e mesmo sádico, noutras, tendo entrado logo em desgraça, assim que morreu o seu protector, o apagado D. José.
Porém, os republicanos dos finais do século XIX e princípio do século XX rapidamente esqueceram ou absolveram as suas práticas repressivas, não descansando enquanto não arranjaram dinheiro para lhe erguer uma estátua monumental, no centro de Lisboa, sem paralelo com qualquer outra figura da História de Portugal. Nem Camões mereceu estátua de equivalente imponência.
Isto prova que os juízos sobre as figuras histórias, como Salazar já o é há muito, variam bastante consoante as conjunturas políticas que a nação atravessa.
António José Saraiva, insuspeito de simpatizante do salazarismo, considerava Salazar, além de excelente prosador da Língua Portuguesa, um dos nossos maiores estadistas de sempre e classificava o período da sua governação como aquele em que Portugal mais afirmou, com plenitude, a sua soberania.
No término destes meus reagrupados depoimentos sobre Salazar e o Salazarismo e um tanto à maneira de Camões, uma das minhas permanentes devoções, passe a pretensão, posso também alegar que não me falta na vida honesto estudo com razoável experiência misturado.
E assim intento continuar, procurando pensar sempre pela minha própria cabeça, umas vezes errando, outras, espero que muitas mais, acertando, mas, por regra, constantemente empenhado em aprender com os erros, os próprios e os alheios.
Nas matérias humanísticas, sou um genuíno autodidacta, aliás, como muito boa gente, na História, passe outra vez a pretensão; porém, sempre fazendo uso do chamado método científico, o qual, mesmo adaptado para os assuntos não científicos, invariavelmente se revela precioso auxiliar, de préstimo inestimável.
A reflexão prosseguirá certamente…
AV_Lisboa, 19 de Agosto de 2012
17.8.12
Dilma Supra Grammaticos
Mantendo sempre vivo o tema da Língua Portuguesa, proponho-me alertar a comunidade internética para uma peça de inestimável valor saída directamente da cabeça de S. Exa Dilma Rousseff, que, por certo, ficará conhecida nos Anais como a Lei n.º 12605, de 3 de Abril de 2012, vulgo «lei do emprego obrigatório da flexão de género para nomear profissão ou grau em diplomas», obra que, por estranho acaso, havia passado praticamente despercebida da nossa muito frenética Comunicação Social, sempre atenta a tudo o que lhe cheire a furo noticioso, desde que num dado e preciso sentido, por regra, o mesmo...
Ainda não tínhamos visto nada disto : a forçada corrupção gramatical por via legislativa. Nem César, senhor absoluto de um vasto Império, havia chegado tão longe, conta-se, numa sua esboçada ousadia gramatical, tendo sido imediata e oportunamente advertido, por alguém mais letrado que ele de que : «Cesar non supra Grammaticos» advertência que consta ter sido por César, a gosto ou a contragosto, escrupulosamente observada.
Só a leviandade, a presunção e a completa inconsciência do ridículo, por junto e atacado, terão impulsionado a referida senhora na desmiolada iniciativa, sem que, aparentemente, nenhum assessor ou conselheiro lhe houvesse feito a caridade de um esclarecimento escorreito em tempo apropriado.
Já não bastava o famigerado AO da LP de 1990, para nos apoquentar, o qual, afinal, só pretendeu incidir na ortografia.
Agora, D. Dilma Rousseff vai bem mais longe e quer introduzir emendas, na verdade, autênticos aleijões, na Gramática de uma Língua que deveria merecer-lhe o maior respeito, tanto mais que se trata de património que lhe foi legado por quem lançou os alicerces do País em que hoje vive e de cuja república é Presidente.
Agora, D. Dilma Rousseff vai bem mais longe e quer introduzir emendas, na verdade, autênticos aleijões, na Gramática de uma Língua que deveria merecer-lhe o maior respeito, tanto mais que se trata de património que lhe foi legado por quem lançou os alicerces do País em que hoje vive e de cuja república é Presidente.
Pergunta-se : como é possível que em Portugal isto não haja sido convenientemente noticiado, em tempo oportuno, sendo a Lei do início de Abril deste ano ?
Complexos esquerdistas ?
AV_Lisboa, 16 de Agosto de 2012
8.8.12
Exercícios de Concisão Meditativa III
Intróito :
«Para as Empresas, exigimos que se recrutem os melhores; para o Governo da Nação, aceitamos que se nomeiem os mais espertos, os mais velhacos, os mais versados na pulhice. Depois, queixamo-nos de que somos mal governados»
Um viajante, que nos tivesse deixado nas vésperas do 25 de Abril de 1974 e regressado por estes dias, poderia fazer-nos algumas perguntas embaraçosas :
- Portugueses : Que fizestes vós do vasto Império quinhentista ?
- Entregámo-lo aos «Movimentos de Libertação» das Colónias.
- E as Indústrias, que é feito delas ?
- Onde estão as Empresas de Metalomecânica que tínheis em funcionamento, como a Mague e a Sorefame, por exemplo ?
- E a Siderurgia Nacional ?
- E os Cimentos e os Estaleiros Navais, a Lisnave, a Setenave, etc. ?
- Umas fechámo-las, por economicamente inviáveis e outras vendemo-las, para diminuir a dívida do Estado ?
- Vendeste-las a quem ? Aos Capitalistas, às antigas famílias exploradoras do operariado português ?
- Não, a esses, não. Vendemo-las antes a estrangeiros, algumas ao Estado Chinês que, abençoadamente, se converteu ao Capitalismo, ainda que sob o comando político do seu sempiterno e iluminado Partido Comunista.
- E as Empresas de Navegação, de transporte de passageiros e de carga, quantas existem ainda em funcionamento ?
- Marítimas, nenhuma, por acaso. Tivemos de desistir delas, porque se tornaram todas economicamente inviáveis.
- Tudo isso, apesar de pagardes salários relativamente baixos aos trabalhadores ?
- Mesmo assim, muito mais elevados dos que os dos trabalhadores asiáticos, chineses, coreanos e outros mais, que tudo aceitam, por qualquer tipo de trabalho, ainda o mais penoso.
- Então, se haveis vendido tantos bens, tanto património, deveis ter arrecadado bom dinheiro, haveis certamente entesourado.
- Infelizmente não, porque havíamos contraído tantas dívidas, que mal deu o proveito das vendas para pagá-las.
- E quem vos conduziu neste intervalo que levo de ausência ?
- Os melhores Economistas e Financeiros de que há memória de terem existido em Portugal, alguns formados nas mais conceituadas Universidades americanas e europeias e que até lá foram Professores.
- E estais satisfeitos com o resultado da sua intervenção ?
- Isso, não. Cada vez duvidamos mais do rumo que trilhamos, por eles traçado.
- E agora ? Que futuro vislumbrais ?
- Um futuro negro, de muito sacrifício, de muita incerteza.
- Pois também tal me parece. E acaso haveis castigado, punido ou responsabilizado algum desses supostos magos da Economia ?
- Também não. Apenas nos lamentamos e carpimos imenso.
- Então continuai assim, que o vosso caminho de redenção será certamente longo e assaz penoso.
E dizendo isto o anónimo viajante se retira, desgostoso e mesmo irado com tanta inépcia, tanta inércia e tanta lamúria inconsequente…
AV_Lisboa, 08 de Agosto de 2012